Só ontem pude iniciar a leitura, por outras sucessivamente adiada, de "O Bibliófilo Aprendiz", de Rubens Borba de Moraes (edição Letra Livre). Tratando-se, como bem avisa nota de capa, da "prosa de um coleccionador para ser lida por quem gosta de livros", não me deixei intimidar pela circunstância de não ser coleccionador de obras raras, ainda que visitante episódico e pouco criterioso de alfarrabistas. Entro nos alfarrabistas como entro nas igrejas vazias, para sentir a atmosfera, namorar e folhear, e quando calha, comprar livros que, naquele momento, me possam seduzir. Não tenho um plano, salvo se procuro alguma edição preciosa para apoio ao trabalho na rádio. Entrei, assim, neste livro, com um aprazimento desobrigado de quem apenas se rende à prosa fina e cativante de um homem de muito saber. Logo no prefácio, ele faz uma declaração de intenções: "Falar de livros é a melhor das prosas". Rubens Borba de Moraes, falecido em 1986, fundou e dirigiu bibliotecas, coleccionou e estudou livros antigos. A biblioteca de Borba de Moraes, tomada por um outro coleccionador brasileiro (que a juntou à sua já considerada uma das mais importantes da América Latina) foi doada à Universidade de São Paulo. Estou a lê-lo como se o escutasse falando de livros agora que, como ele escreve, " não se proseia mais à porta de livraria, não há mais café onde se possa conversar, não se vai mais à casa de um amigo dar uma prosa, com medo de perturbar o seu programa de televisão". Ele escreve para bibliófilos e não me sinto excluído. Sigo o fio das suas histórias, como se ele folheasse para mim, proseando, o "Tratado único da Constituição Pestilencial de Pernambuco", de João Ferreira da Rosa, impresso em Lisboa em 1694, o livro em que surge " a primeira observação, a descrição clara e inconfundível da febre amarela", um livro raríssimo. Ou o primeiro livro sobre o Brasil escrito em português, "História da Província Sãcta Cruz a que vulgamente chamam Brasil", impresso em Lisboa em 1576, escrito por Pêro de Magalhães Gândavo, do qual eram conhecidos sete exemplares em todo o mundo até que, em 1946, surgiu um oitavo que ele, Borba de Moraes, comprou para a Biblioteca Nacional do Rio."Coleccionar não é juntar livros (...) É o prazer em encontrar o exemplar desejado", escreve ele. E mais: "O verdadeiro bibliófilo sabe o que compra". Isso o distingue do mero comprador de livros.Ora eu, mero comprador de livros, que tantas vezes não soube o que comprava, vou continuar a mergulhar neste livro como se entrasse num lugar de culto. Como um bibliófilo aprendiz.
«Aprender a ler, para os escravos, não era um passaporte imediato para a liberdade, mas uma maneira de ter acesso a um dos instrumentos poderosos dos seus opressores: o livro.»
Alberto Manguel
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