Crítica ao «Silogismos da Amargura»
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Carlos Bessa
Silogismos da Amargura
E.M. Cioran
Letra Livre
2009
trad. de Manuel de Freitas
119 págs.
€15
Aforismos Breviário da lucidez.
Filósofo e moralista de origem romena, E.M. Cioran escreveu a maior parte da sua obra em francês, língua que habitou na perfeição, como se dentro dela tivesse nascido. No entanto, embora tenha vivido em França grande parte da sua vida, sempre se considerou um apátrida, fazendo jus ao carácter niilista e irónico de um pensamento radicalmente pessimista, que repudiava qualquer tipo de absoluto, mas se sentia atraído por todos os discursos sobre Deus, tema que aliás lhe mereceu muitas sentenças e aforismos. Mais do que o altíssimo, seduziam-no as altas temperaturas dos infernos, metafísicos ou concretos, sentindo-se irmanado com os devassos, os desafortunados e os desequilibrados. Assim, o tédio, o ócio, o fracasso, o terror, a amargura, as lágrimas, a música constituem-se como obsessões sobre as quais escreve incessantemente, nessa mescla de humor, raiva e resignação que fazem da sua leitura uma ímpar aventura espiritual. "Silogismos da Amargura" (1952) pode ser lido e entendido como parte de uma autobiografia espiritual ou como um sedutor libelo contra as taras do mundo, seja esse mundo particular, individual ou colectivo. E se o próprio Cioran é assunto, é-o num permanente jogo de dissimulação, pois domina muito bem a ficção literária, com a qual seduz ou irrita. Não há nas suas sentenças ou aforismos a apaziguadora certeza dos livros de autoajuda, tão-só um percurso muitas vezes circular à beira do abismo, com o qual brinca, como um enfant terrible. Nesse seu modo de brincar com as certezas, de nos divertir com o inquietante, de nos desassossegar com a lucidez, está grande parte da atracção que lhe granjeou inúmeros leitores, em França e noutras paragens. "Silogismos da Amargura", como outros livros do autor, move-se nos terrenos movediços entre a poesia e a filosofia, sem que por nenhum momento o vejamos soçobrar e afundar-se. Algo só possível pelo carácter demolidor do seu pensamento, que constitui um verdadeiro bálsamo nestes tempos de optimismo publicitário. Permitam-me, por isso, que termine com uma citação muito actual: "Para conservar o seu bem-estar nervoso, uma nação precisa de uma infelicidade substancial, de um objectivo para as suas inquietações, de um terror positivo que justifique os seus 'complexos'. As sociedades consolidam-se no perigo e atrofiam na neutralidade. Onde quer que grassem a paz, a higiene e o conforto, multiplicam-se as psicoses." Carlos Bessa
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